quinta-feira, 30 de março de 2006

UM DE NÓS

Ali estava ele, no meio daquela multidão enfurecida, que aos berros, insistia na morte dAquele Homem. Não conseguia entender nada do que se passava!

Tinha ouvido as perguntas que o Governador romano tinha feito e as respostas dAquele Homem a quem chamavam Jesus, já antes tinha presenciado uma espécie de tribunal dos Sumo sacerdotes e de tudo o que tinha ouvido e visto apenas chegava à conclusão que Aquele era um Homem bom, justo, que tinha feito coisas admiráveis pelo seu semelhante e no Qual residia a paz e a tranquilidade do inocente.

Entendia até, porque é que Ele não se defendia das acusações que Lhe faziam. Realmente dissesse Ele o que dissesse tudo parecia estar combinado, tudo parecia estar arranjado há muito tempo, para que o desfecho de tudo aquilo, fosse a Sua morte.

Queria ir-se embora, não queria estar ali, não queria fazer parte de toda aquela farsa cruel, mas mais do que a curiosidade, mais do que querer confirmar como tudo ia acabar, havia qualquer coisa que o prendia Àquele Homem, qualquer coisa no seu coração o fazia sentir que a sua vida, de alguma maneira, Lhe estava ligada.

Decidiu ficar e foi assistindo ao cortejo de horrores, que se foram seguindo.

Flagelaram Aquele Homem, como ele nunca tinha visto fazer a ninguém e ele bem reconhecia que os tempos em que vivia, eram tempos bárbaros e cruéis, sobretudo depois da ocupação romana. Humilharam, cuspiram, troçaram, fizeram pouco dAquele Homem, sem ele conseguir entender minimamente porquê. A multidão parecia louca, parecia que algo ou alguém, tinha instilado naquela gente um ódio incompreensível para com Aquele Homem chamado Jesus.

O mais estranho é que uns dias antes, aqueles que agora gritavam, crucifica-O e outras barbaridades, Lhe tinham dado vivas e hossanas, quando entrou em Jerusalém.

Carregavam agora sobre os Seus ombros, uma pesada cruz de madeira, e ele pensou, como podia Aquele Homem, depois de já ter perdido tanto sangue, depois de ter sido tão magoado, ferido e mal tratado, conseguir carregar aquela cruz pelo Calvário acima.

Por um momento deu por si a pensar que era um cobarde, porque verdadeiramente o que ele devia fazer era ir ajudar Aquele Homem, era pôr fim aquela barbárie, mas rapidamente se convenceu, que sozinho nada podia e também valha a verdade, era mais fácil nada fazer, até porque o medo era muito.

Decidiu aproximar-se para ver mais de perto, não por curiosidade mórbida, mas porque alguma coisa o impelia ao encontro dAquele Jesus. Queria olhá-Lo nos olhos, queria ter a certeza da Sua inocência, queria acreditar que nAquele Homem residia algo muito superior a todos, sobretudo àqueles que Lhe faziam tanto mal.

De repente Jesus caiu! Ele teve um sobressalto e sem pensar, tentou aproximar-se, mas os soldados não o deixaram.

Num relance Jesus levantou a cabeça e olhou para ele, directamente nos seus olhos.
Foi inundado por algo que não conseguia descrever! O olhar de uma doçura extrema, de uma ternura infinita, era o olhar de um inocente, o olhar de Alguém que Se entregava para o bem de outros.

Não conseguia entender, tanto mais, que aquele olhar dizia ao seu coração: «Eu conheço-te, amo-te e é também por ti que me entrego». Toda a sua vida lhe passou na sua mente num relance rápido, e ele percebeu que tudo mudava, que nada mais seria como antes. Já não podia afastar-se dAquele Homem, porque no seu intimo ele sabia que Jesus não fazia parte da sua vida, Ele era a sua vida.

Continuou a segui-Lo e uma pequena ponta de inveja aflorou ao seu coração, quando viu que os soldados tinham chamado um homem para ajudar Jesus a carregar a Sua Cruz. Queria tanto ter sido ele, mas não tinha coragem para o dizer. Aliás, algo lhe dizia que aquela cruz em parte lhe pertencia.

Continuaram a caminhada e viu aproximarem-se de Jesus umas mulheres. Uma delas era lindíssima e irradiava uma paz imensa. À sua volta ouviu sussurrar: «É a Mãe dEle». A serenidade, a paz, a aceitação daquela Mulher, perante o que estavam a fazer ao seu Filho, tocou-lhe profundamente o coração. Tinha de A conhecer.

Chegaram, enfim, ao cimo do monte.

Deitado sobre a Cruz, Jesus ia deixando, com uma aceitação incompreensível, que Lhe perfurassem as mãos e os pés, com grossos cravos, que O fixaram ao Madeiro. Cada martelada era uma chamada de atenção à sua vergonha, à sua cobardia.

Elevaram-No então, colocando a Cruz na vertical.

Ao olhar aos pés da Cruz, o mais perto que lhe era possível, não conseguia distinguir onde acabava a Cruz e começava o Céu. Parecia-lhe, não só à vista, mas também ao coração, que aquela Cruz unia para sempre a terra ao Céu.

Ouviu então a voz de Jesus que dizia qualquer coisa Àquela que diziam ser Sua Mãe e também a um jovem que estava ao pé dEla, aos pés da Cruz. Apenas pode distinguir as palavras, filho e mãe, mas nasceu dentro dele uma vontade imensa de correr para Ela, chamar-Lhe Mãe e dizer-Lhe, também quero ser Teu filho.

De repente tudo escureceu, Jesus deixou cair a cabeça e morreu.

Parecia-lhe que o tempo tinha parado, mas em vez de ficar desesperado, triste, uma estranha paz, uma profunda calma, invadiu o seu ser. No seu coração instalou-se uma certeza. Nada acaba aqui! Nesta morte vou encontrar a vida, pois ainda hei-de ver Jesus vivo!

Para que tudo se torne verdade na minha vida, pensou ele, tenho de conhecer melhor Jesus e saber o que Ele quer de mim e para mim. Começou então a dirigir-se para Aquela Mãe, que também já sentia como sua, porque acreditou firmemente que ninguém lhe poderia dar a conhecer melhor, ninguém o poderia guiar melhor, ninguém lhe poderia ensinar melhor a seguir Aquele Homem, chamado Jesus.

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