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Ali, longe de tudo e de todos, preparava-se para passar aquela noite.
Já nem se lembrava bem como tudo tinha acontecido, para que ficasse sozinho naquela noite de Natal.
Sim, era preciso ficar alguém toda a noite naquele posto, a presença física era imprescindível, e tinha de manter-se acordado para que nada falhasse na fábrica.
Era verdade que o regulamento previa pelo menos duas pessoas, mas ele realmente não tinha ninguém, estava longe do seu país, da sua família, das suas tradições, e apenas lhe restava ir para o dormitório, para junto dos seus compatriotas, que se calhar até aproveitavam a noite para irem aos bares, para irem beber, e isso ele não lhe apetecia.
Os colegas de trabalho tinham-se despedido todos com um abraço, e apesar de não serem da sua nacionalidade ele ficou a pensar como a noite de Natal modificava as pessoas.
Até parece que tinha sentido calor, verdade, naqueles abraços!
De tal modo, que ao olhar para aquele que devia ficar com ele lhe perguntou no seu arremedo da língua do país de acolhimento:
«Tu não tens família, mulher, filhos?»
O outro, de cabeça baixa, entristecido, respondeu:
«Tenho, claro que tenho, e custa-me muito não estar com eles.»
Sem quase se aperceber, tinha sentido a sua boca abrir e saírem estas palavras:
«Vai lá ter com eles, que eu fico aqui a tomar conta de tudo.»
O outro replicou:
«Mas tu não podes ficar aqui sozinho, numa noite destas!»
Mas ele insistiu:
«Vai te embora, antes que me arrependa. Não tenho para onde ir, nem ninguém com quem estar e aqui sempre está mais quente que no dormitório. Vai-te embora, antes que se faça tarde.»
O outro abraçou-o com lágrimas nos olhos e ele sentiu-se bem por ter tido aquele gesto, aquela atitude.
Mas agora, agora que a noite ia passando, a coisa estava a ficar muito difícil.
Não tinha sono, felizmente não tinha, por isso o estar acordado não lhe custava nada.
O que lhe custava era pensar nos outros em suas casas, com as suas famílias e ele ali sem ninguém e ainda por cima tão longe da sua mulher, dos seus filhos.
Que raio de vida que o fizera emigrar para tão longe para poder obter um mínimo de rendimento, para tentar dar algo mais à sua família.
Naquele momento colocava tudo em causa!
Se valia a pena este sacrifício, este afastamento tão doloroso que tanto lhe “mordia” o coração, que tanto lhe custava a viver.
E os pensamentos iam-se sucedendo e em nada ajudavam aquela situação.
Sentia-se sozinho, sem ninguém, perdido num mundo que não era o dele, numa língua e tradições diferentes, sem amigos, sem um abraço, sem o calor de um sorriso, sem sequer um sentimento de que alguém se preocupava com ele.
Duas grossas lágrimas correram pela sua cara e ele não pode deixar de se entristecer ainda mais.
Olhou para o relógio. Não sabia bem para quê, pois tinha a noção que a noite ainda agora tinha começado.
Mas ficou ali a pensar que àquela hora a sua mulher, os seus filhos, os seus pais, caminhavam no meio da neve, do gelo, para a igreja lá da terra, para celebrarem juntos, em comunidade, a noite de Natal.
Parecia-lhe até que conseguia ouvir aqueles cânticos eslavos, tão entranhados no seu coração, tão recordados na sua memória.
Tornava-se tudo tão real que conseguia ouvir crianças a rir, mulheres e homens a falar, o ruído de pessoas que caminhavam, que se juntavam, que festejavam.
Mas nesse instante tudo se esfumou, todos aqueles sons que lhe tinham sido tão agradáveis tinham deixado de se ouvir, e um silêncio pesado e triste tornava a tomar conta de tudo.
De repente deu um salto, pois tinham batido à porta da sala onde estava e que dava para o exterior, para a rua.
Receoso, e pensando quem poderia ser àquelas horas e naquela noite, foi abrir.
Uma explosão de risos, de conversas, de cânticos atingiu-o no coração!
Lá fora, na noite fria de Natal, estavam os seus colegas de trabalho, com as famílias, as crianças rindo e cantando, e todos juntos gritaram ao mesmo tempo:
«Feliz Natal, Yuri!»
As lágrimas, (estas de alegria), “rebentaram” nos seus olhos, a boca abriu-se numa gargalhada, os braços abriram-se num abraço imenso, e o seu coração disse-lhe baixinho:
«Vês Yuri, o Natal encontra sempre os homens de boa vontade!»
29 de Outubro de 2008
Com este conto muito simples, quero desejar a todas amigas e todos os amigos que aqui me visitam um Santo Natal, cheio da paz e amor de Deus, e que vivendo-o assim, sejamos mais irmãos, sejamos “mais” filhos de Deus, amando-nos como Ele nos ama.
Este conto foi enviado para um projecto da Casa do Gil.
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